De príncipe a ogros, passando por lobos

Posted: | Por Felipe Voigt | Marcadores:
Quantas histórias você leu onde um lobo era colocado como mau, aquele que chega destruindo lares, aterrorizando crianças e devorando inocentes entes queridos? E em quantas o príncipe encantado era aquele que chegava de cavalo branco para resgatar a pobre mocinha do calvário da história? E os ogros, que são sempre seres repugnantes, mal-educados e dignos de asco? Pois bem. Já parou pra pensar no motivo de tais personagens serem colocados dessa maneira? Qual o intuito dos autores em repassar esse mesmo arquétipo na tríade masculina dos contos infantis?

O lobo mau sempre é a ameaça ao lar. Aquele que chega como terceiro elemento e colocará em risco a estabilidade familiar. Mas o que não contam nos contos é que o lobo faz isso justamente para libertar a mulher da domesticação. Ele sente que a loba dentro dela está sendo ameaçada, tolhida e amordaçada.  Ela está cercada pelo medo, pela fragilidade e pela manipulação. Ele assopra, bate e invade para que ela consiga se desprender de suas correntes morais e aprender a correr livre, de fato. O lobo não quer sua companhia aprisionada, não impõe estacas delimitadoras. Irá trazer seu lado animal à tona, irá afundar em você e resgatá-la de você mesma. Ele não teme suas sombras, ele as conhece. E por conhecer, por não temer e por querer a liberdade, o lobo é mau para aqueles que não são bons. O lobo gera medo pois ele irá te dar coragem.

O ogro é sempre nojento e repugnante pois traz sempre a verdade em suas palavras. O repudiam e o renegam ao limbo do pântano pois não se permite ser apenas um rosto bonito para socialmente ser aceito pelos nobres da realeza. Ele não se guia pelos padrões morais vigentes, se permite ser feio quando se sente feio, sem ligar para os dedos apontados, recriminando sua feiúra. E vai entender quando a donzela precisar chorar sem motivo. Vai saber quando a tristeza se abater por ela também sem motivo. Porque o ogro conhece os motivos, sabe dos medos. O ogro não teme o medo: o convida para tomar uma cerveja e conhecer as razões de sua existência. O ogro é sincero sem te menosprezar, te rebaixar e te manipular. Ele quer sua voz sendo emitida sem medo, sabendo que será ouvida e compreendida. O ogro será asqueroso pois ele expõe as próprias mazelas sem medo da reprovação. Ele não precisa ser aceito pela sociedade: apenas quer ser aceito por você, como ele é!

E o príncipe? Bom, o príncipe é o idealizado, o provedor, o estável. É o mais aceito socialmente, é aquele que a mãe da donzela terá prazer em recebê-lo em seu casebre, pois o nobre garantirá o sustento de sua família. Mesmo que para isso ela ignore os efeitos colaterais dessa relação. O príncipe, ao menor sinal de fragilidade da donzela, se mandará do castelo em cruzadas por novas posses, novas terras. Não porque ele tem poucos bens materiais, mas é porque para ele apenas isso garante o bem-estar da donzela. E porque príncipes não sabem lidar com a densidade de uma mulher. Para ele, apenas basta a posse, o poder sobre ela. Mas não se importa em, de fato, possuí-la. Enquanto ela chora, gritando em silêncio por um colo e para ser vista, o príncipe encoxa uma súdita nos corredores do palácio. E ao voltar para o leito, cumprirá seu papel de homem, sem notar que sua donzela não está ali, apenas seu corpo.

Mas o principal: e a donzela? Por que nunca escutam o que ela realmente tem a dizer? Qual essa necessidade de impor o príncipe a ela, de impor a vida de realeza, cercada por ouro, terras e súditos? Qual a razão de não deixá-la correr pelos campos livres sem cercas, com um lobo ao seu lado e não à sua frente, acompanhando e não guiando? Qual motivo não pode se embriagar em tabernas, tendo ogros a tira-colo para carregar suas ânforas e seus pecados? A princesa é sempre manipulada pelos pais, pelos príncipes, é educada a temer os seres das sombras. Mas ao dormir, depois de ter sido feita mulher por seu príncipe, ela sempre é a última a dormir. E pensa e repensa e ressente. E olha pela janela, acompanha as trevas lá fora sendo iluminada pela lua. E imagina como estão o lobo e o ogro. E ao adormecer, escorre uma lágrima pois precisa do castelo, mas sua vontade era de estar correndo e se embriagando com aqueles seres do mau. Mas ela precisa dormir. Amanha o seu encantado irá exigir que ela esteja bem e feliz.

Pois assim precisam as histórias de fantasias: de finais felizes, com donzelas estabelecidas. E lobos e ogros povoando os sonhos e os pesadelos alheios, pelos mesmos motivos, mas com interpretações diferentes.

Quantos lobos você rejeitou por medo de, finalmente, se ver como você é?
Quantos ogros você deixou de olhar por não querer encarar sua própria verdade?
E quantos príncipes você aceitou apenas por padrões morais e sociais e familiares?


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