Amor em tempos de pausa

Posted: | Por Felipe Voigt | Marcadores:
Trançando as pernas,
rumava à própria sorte
um homem rouco a desafiar
as esquinas da morte
com seus berros à revelia
de quem caminha sem norte

- Como ousam dormir
sem perseguir
o que é o amor, miseráveis?
Tragam-me Helena
ou não mais me calarei!

Com braços armados
por punhos sangrados,
lutava ele contra o vento
desferindo golpes sem alvos
e gingando o corpo marcado
em direção aos carros estacionados
E as ruas vazias se enchiam aos poucos
por dezenas de acordados pelos berros
que de suas casas saiam atordoados

- Saiam todos e acordem
e vivam, covardes!
Devolvam-me Helena
e nunca mais aqui virei!

E as praças se enchiam
com suas pequenas lamúrias
mescladas com risos abafados
por choros contidos
em passos falsos

Muitos o questionavam:
- Mas o que está acontecendo?
- O que o faz gritar, homem?

Seguia gritando e bebendo
e chorando e vivendo
sem ter mapa indicando
a espera de alguém o esperando:
- A flecha me fora novamente lançada
A lança de novo atirada
Os ecos da dor voltaram
agora com novas marcas
Helena, por que, Helena?

Apontado por tantos que o viam,
bradava ele sem se importar
com o que falavam
ou sobre o que riam
Precisava apenas caminhar
e gritar e soltar:

-Acordem e abandonem suas felicidades,
miseráveis sem amor!
É tempo de perder e barganhar
À espera de colo, de magia, de amor!
Tragam-me de volta Helena!
Me devolvam a magia de Helena, porcos!

A multidão o perseguia
com açoites de rancor
Enquanto o cercavam
ouvia-se abafados
seus berros uivados:
- Hei de morrer
na certeza de um fato:
a vida me trouxe
muito mais que um fardo!
Por favor, não machuquem
mais Helena!

As dezenas viraram milhares;
as centenas, milhões
Todos a acoitá-lo com desprezo
Tantos a olha-lo com desdém:
- Cale-se, não precisamos disso!
Volte para seu mundo imperfeito
e se afogue nas próprias mágoas

Pedras atiradas o atingiam
mas não o machucavam mais
do que as farpas da saudade
Lixos e entulhos jogados
não o manchavam mais
do que um amor protelado
E ainda assim, ele seguia
Apesar disso, ele aguentava
as sentenças desferidas:
- Pagarás o preço, triste homem
Viverás sem, apenas a sofrer
Serás um mártir sem voz,
esquecido às margens do tempo

Abraços eram negados
e beijos indeferidos,
mas todo ali estavam
apenas a amaldiçoá-lo
ao ouvi-lo:
- Amei e amo
mais do que qualquer um
poderia ter um dia amado
Pelo amor dos deuses:
cadê minha Helena?

Ao final, uma rua sem saída
Atrás dele, uma horda acordada
Dentro de si, a vida pausada
de um amor em stand by

Ajoelhado, apenas suspirou:
- Não calar-me-ei ante vossas ignorâncias
Gritarei até ter de volta
o amor de quem um dia me amou

Fechou os olhos a esperar
os desfechos dos golpes
da vida a se esvair no ar
em seu último brado ofegante:
- Me arranquem de mim,
mas não me tirem mais Helena!

Mas somente uma mão
o atingiu na testa, tão suave
quanto o pouso de borboleta
em flor recém desabrochada

- Pronto, estou aqui, tenha calma
Alivie teu peito agora
E traga paz à tua alma
Preciso de ti,
mas não dessa forma

E a multidão desapareceu
E a rua virou leito
E ali ele deitou, adormecido
sentindo a dócil mão
que o acalentava:
- Helena... Helena!


1 comentários:

  1. Anônimo disse...
  2. Das marcas que traremos no reencontro de um grande amor, as físicas são as que menos importam. As dores dos açoites alheios sempre são as que menos doem. Mas ainda haverão muitas marcas e muitas dores, mas existirá o amor, maior que nunca, mais forte do que sempre foi. Até breve.

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