Certa vez, ainda quando cursava a faculdade de jornalismo,
participei de uma dinâmica de grupo que até hoje o tema me faz refletir sobre. Dois
grupos foram formados e cada lado tinha de se defender e atacar o ponto de
vista do outro. O tema era: o ser humano é bom ou mau por natureza? Passada a
primeira rodada, os grupos eram reduzidos pela metade e os papéis eram
trocados: quem defendia, atacava e vice-versa, até sobrar apenas duas pessoas.
O exercício era uma excelente ferramenta para que pudéssemos
saber pensar nas duas formas de ver um ponto de vista e como quebrar os
argumentos do seu oponente ao pensar como ele. Ainda uso isso toda vez que me
pego analisando um argumento: ante de atacá-lo, penso em como defendê-lo só
para ter outros meios de ataque.
Enfim: o que me trouxe a escrever não foi a dinâmica e
sim o tema. O ser humano é mau por natureza. Essa sempre foi a minha defesa.
Nascemos maus e aprendemos a ser bons. Passamos uma vida inteira sendo
educados, doutrinados e convencidos a fazer o bem. O motivo é simples: o mau já
está em nosso código genético. Não se ensina aquilo que é natural em nós.
Veja o ato da fecundação: somos colocados em uma disputa
insana, correndo em busca de um único objetivo onde não há segundo lugar.
Apenas o primeiro leva o prêmio, aos demais resta a morte. Chegando ao destino,
qual a função dos competidores? Rasgar, romper, invadir o óvulo. O ambiente de
violência se intensifica e essa carga é acumulada no vencedor.
Depois o processo continua: vem a divisão celular manter o
ambiente violento, quando uma célula é quebrada em duas, quatro... Depois de
toda a gestação, vem o quadro inverso da fecundação: para ser gerado, precisou
romper para entrar; para nascer, precisará romper para sair.
A natureza impõe que o nascimento seja tão brusco quando
a fecundação. Há força gerada ao extremo para que o bebê seja expulso de sua
casa por onde morou por semanas. E isso só acontece quando a bolsa estoura, fazendo
com que não haja outra opção a não ser nascer, ceder àquilo que te força a
sair.
Esqueça toda a parte poética da geração da vida: o fato é
que nossa capacidade de sermos violentos e maus nasce com a gente. Há todo um
esforço social para manter esse instinto escondido, doutrinado, repelido e
domado. Igrejas ensinam a dar a outra face numa tentativa de conter o monstro
que temos dentro; escolas mostram que é errado responder à violência com outra
violência, numa clara tentativa de manter a complacência; governos criam cada
vez mais leis para nos proteger daqueles que transpassam os limites e dão vazão
ao que sentem.
Pode me achar radical demais, mas veja como você reage a
um ato de violência justificável: um pai ou uma mãe que matou o estuprador da
filha. Você certamente concorda e diz que faria pior se fosse com você. Ao ver
um ato tão visceral, nos sentimos confortados e quase projetamos ali toda nossa
raiva e maldade em devolver o mau. Fôssemos bons por natureza, repreenderíamos qualquer
ato assim, mesmo que justificável.
Mas se alguém vê um homem devolvendo ao banco uma quantia
de dinheiro a mais que surgiu em sua conta, as opiniões mudam e não são
unânimes como no caso acima: alguns fariam o mesmo, outros o chamam de burro
por não ter ficado com a grana já que o banco tem demais.
Os exemplos seguem: no trânsito, na rua, em casa, na
internet... constantemente nos vemos presos à comportamentos maldosos sem
perceber. E sempre achamos uma desculpa para eles. O sexo é violento, o amor é
violento, a natureza é violenta.
Assim nos moldamos a extravazar nossa violência em
competições, em disputas, em tomadas de posses cada vez mais ambiciosas. A
ambição é a maneira mais aceita de violência que construímos para aceitar a
maldade e justificá-la.
Os atos de bondade sempre são questionados, sempre há
muita gente questionando os motivos que levam alguém a agir de maneira bondosa.
Mas quase nunca questionamos os atos maldosos, buscamos sempre um argumento que
justifique e nos faça aceitar o que foi feito. E aceitamos.
Por isso que todo ato violento nos causa tanto
desconforto: uma batida de carro acontecida na sua frente faz emergir aquela
sensação ruim; uma briga na rua ou em um bar também. Reacendemos aqueles
primeiros momentos nossos onde fomos obrigados a praticar a uma violência e
isso nos deixa mal por lembrar-nos quando fomos maus. Ficamos ruins porque
aquilo acende algo em nós e que fomos educados a deixar de lado e não ceder.
Talvez venha disso nosso fascínio por grandes ditadores,
genocidas, serial killers. Estudamos e analisamos todos, fazemos livros e
filmes e teses, tudo em busca da compreensão do que fez com que todos
transpassassem os limites sociais. O fascínio, mesmo tendo como base algo
cruel, é pela coragem que tiveram ao agir como agiram.
Uma série de TV baseada na vida de Madre Tereza ou Dalai
Lama dificilmente teria uma segunda temporada, já que fomos bombardeados a vida
toda com o que ali é mostrado. Mas faça um seriado sobre um serial killer e
teremos outras edições do mesmo.
Por fim, você me pergunta: como uma criança pode nascer
má? Ela não nasce com essa maldade que estamos acostumados a ver, mas está geneticamente
carregada a ser assim. Por isso busca-se tanto a educação, a doutrina e o
respeito às leis. Para moldá-la a deixar seu instinto de lado e aprender a como
conviver de forma coesa na sociedade.
Deixe uma criança em um ambiente hostil e violento e ela
aprenderá muito rápido a agir como o ambiente se mostra. Mas para fazê-la boa e
bondosa, serão anos e anos de eterno aprendizado.
Fôssemos bons, não precisaríamos de tantas regras de
conduta. Faríamos naturalmente, respeitaríamos às leis não escritas e todos
agiriam de forma harmoniosa. Mas precisamos de punições e limites impostos para
que saibamos até onde começa nossa maldade e termina nossa bondade.
Pode discordar de mim, mas ninguém te ensinou a odiar
alguém que te trocou por outra pessoa. Sim: em alguma vez na sua vida, você
quis causar um mau muito grande a alguém que já amou, por exemplo. Você
aprendeu a amá-la, mas ninguém te ensinou a odiá-la. Isso veio naturalmente em
você. Porque você também é mau.
4 comentários:
De total acordo!! Sempre pensei assim mas jamais iria conseguir explicar com tanta clareza como voce o fez.
Vejo crianças pequenas, bebes que mordem os outros a troco de nada e me pergunto: como e quando aprenderam isso? O fato é que ja nasceram com esse "dom".
Assim como acredito que ninguem pode ir para o inferno depois da morte, pois já nascemos nele (dica de proximo texto).
Exatamente o que eu penso... Jà fiz vàrias anàlises de situaçoes em minha vida e todas me fazem crer dessa forma... Mas as pessoas querem crer no contràrio, que as pessoas sao boas, mas algumas se tornam màs... Quando o oposto è na verdade a realidade...
como sempre, uma ótima reflexão. Talvez sejamos atraídos pela maldade, simplesmente Pq somos educados e cobrados sempre a sermos bons. Mas não acredito na maldade genética. Acredito q somos expostos aos dois durante toda a vida e o proibido, o desafiador, nos atrai. mesmo q a fecundação e o nascimento sejam processos violentos, ainda assim são gerados pelo amor. o amor nos faz ser bons, ser melhores. O amor de uma mãe por um filho, por ex. Não há mulher que não se transforme por este amor.
Não há maldade que não se dobre a um amor, não há ódio que o sobreponha.
mesmo q sejamos atraídos pelo mal, pelo ódio, somos vencidos pelo amor. e não há educação para amar...simplesmente se sabe amar.
Também sempre acreditei que o ambiente e a educação dos pais não são os responsáveis por nada. Caráter é uma coisa que nasce com a gente. Mas se for parar pra pensar, realmente, não nascemos bons. Ótimo texto!
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