O antagonismo do amar

Posted: | Por Felipe Voigt | Marcadores:

Há sempre quem duvide das histórias de amor criadas no cinema, na literatura, na música e nos poemas. Que tudo é idealizado demais por quem sente, que camuflou a sua realidade para transformá-la em um local mais confortável e menos dolorido de se viver, mas que não condiz com o que realmente lhe acontecia. E que se fosse contada pelo outro lado da história, seria menos fantasiosa e mais realista.

Confesso que já duvidei muito também.
Cheguei a descrer na existência de algo assim. Muita idealização, muito floreio para contar o decadente e fadado destino das relações amorosas. Tudo aquilo perpetuado em filmes e livros e músicas um dia morreria. O que viveria seria apenas o registro daquele momento em que tudo era perfeito e o sentimento existia, tenha sido por duas horas ou dois anos.

Mas hoje consigo ver sob a mesma ótica dos autores de tais peças.
Tudo aquilo foi real para alguém, que soube traduzir o que sentia em linhas e palavras e roteiros e artes. Alguém realmente amou outra pessoa a ponto de lhe escrever um livro que virou elemento essencial na história de outras pessoas. Um dia houve quem acordasse completamente envolvido pelo amor e escreveu músicas e compôs melodias que são trilhas de cenas lindas e memoráveis de outros casais. Haverá quem se apaixone completamente e frequentemente pela mesma pessoa, a ponto de usá-la como inspiração para seus filmes que alimentarão a fome daqueles que ainda não saciaram o desejo de se envolver assim com outra pessoa.

E a grande beleza disso tudo é que provavelmente você viverá sem isso por muito tempo em sua vida. Passará pela descrença, voltará a acreditar e pensará ter achado a mesma fonte que foi usada para banhar aqueles que souberam transformar o amor e a paixão em algo perpétuo. Mas verá que se iludiu novamente a ponto de descrer ainda mais e voltar a exorcizar qualquer vestígio disso em você.

Se não for assim, não conseguirá entender e assimilar o efeito de algo assim em sua vida. É preciso quebrar a cara, desistir, amaldiçoar, expurgar a vontade de querer uma relação como essa tão cantada e tão repercutida e tão desejada e tão iludida. Não é fácil de encontrar, não a terá nos primeiros anos de sua vida adulta. Muitos chegam ao fim dela e desconhecem tal existência. Ou encontraram há pouco, tão pouco tempo que não tiveram tempo de concluir se era mais uma ilusão.

Mas existe.

E Vinícius de Moraes estava certo: todo grande amor só é bem grande se for triste. Pois só a plenitude de um amor traz toda a dor da perda eminente mesmo que a perda esteja longe ou inexista. Uma relação que te traga apenas felicidade e alegria e bem-estar se consumirá nas chamas da realidade, pois perderá toda a poesia intrínseca.

Você precisa acordar com o alívio, mas terá de suportar o despertar a angústia algumas vezes. Serão dias de certezas absolutas recheados por horas de medos absurdos. É preciso sentir toda a beleza dos momentos horríveis que a dor te implicará.

Somente assim, com essa balança inconstante do amor que sentirá, é que nunca conseguirá duvidar do que sente por aquela pessoa. Terá plena consciência do que sentirá. E com isso virá todo o peso dos dias tristes e das dores.  É o preço a ser pago.

A dúvida tenta afastar qualquer perigo já que não garante o que se sente. É por isso que buscam a todo custo a felicidade plena: pois sabem que não suportariam a mais tênue tristeza. Mas a certeza purifica e faz aceitar até a dor iminente sem que isso arranhe o sentimento.

A maioria que pagou se consumiu pelo sentimento. Mas viveram aquilo que uma minoria soube traduzir em textos e filmes e músicas e obras e que o restante apenas sonha viver e acham que vivem. Não tiveram medo apesar de temerem. Não definharam em sofrimento apesar de sofrerem. E viveram e souberam viver.

Pois amar é praticar o coletivo dos sentimentos. Sem esperar pelo recibo.

1 comentários:

  1. Tha'li disse...
  2. No fim, a dor nos faz fortes.
    Belo texto!

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