Talvez eu seja novo demais para estar nesse estado.
Não sei, não confio muito em quem afirma que o sofrimento
tem idade certa para acontecer. Nem que as intensidades sejam diferentes. Tudo
é questão de amadurecimento. E isso não vem com a idade. Vem com o quanto você
se propõe de experimentar da vida. Pode ser que um homem de 50 anos tenha menos
amadurecimento que um moleque de 20. Conheço muita gente fodida com cabelos
grisalhos, apagando a própria história para tentar desdenhar do sofrimento
alheio como se o alheio sentisse menos do que ele, como se tivesse menos
motivos para chorar e para tentar fugir da sua dor. Talvez neles isso também
seja uma fuga sem abrigos.
Mas confesso que não achei que estaria nessa aos meus 30.
Se bem que se pensar melhor, nunca me imaginei aos 30. Não guardo muito
saudosismo do que passei e evito projetar demais meus dias daqui uns anos ou
décadas. Há quem viva lá atrás, achando que os melhores anos já passaram – ou
os piores. Há quem viva lá na frente, esperando os melhores anos chegarem – ou
os piores. Eu me acostumei a viver aqui, nesse preâmbulo de vida, focado mais
ou menos nos efeitos do que me aconteceu nos últimos dois anos.
Os últimos dois anos foram fodas. Não me lembro de minha
vida ter guinado tanto como depois dos 28. Talvez por isso muitos morrem aos
27: pra completarem um ciclo e para evitar que outro comece, mais pesado, mais
denso, mais complexo, menos fantasioso.
Tenho me afastado demais das pessoas. As pessoas me
machucam sem saber. Algumas sabem. Outras pensam que sabem. Mas no geral,
elas me machucam. É cansativo sair de casa e ter de socializar. Mesmo
virtualmente essa prática tem me desgastado. E isso já era um prelúdio nos meus
20. Acho que me mantive coerente em algumas coisas, afinal.
A diferença é que tenho bebido mais. Passei a fumar uns
charutos também. Isso tudo era inadmissível há 10 anos. Não bebi nada até meus
20, tirando uma vez aos 14 quando peguei uma lata de cerveja de minha coleção
de latas e a bebi quente mesmo, em frente de casa, olhando para a esquina da
praça em frente, onde minha paixão adolescente se atracava com seu novo
namorado, escondidos na sombra da árvore que se deitava sobre o muro de sua
casa. Seu nome era Pâmela e seu pai frequenta o bar do meu pai hoje. Bar que
meu velho já possuía naquela época em que bebi a latinha quente. Bar o qual ele
tinha acabado de fechar e chegou em casa me pegando com aquela lata na mão.
Tomei uma bronca, não foi legal. A cerveja também não estava, acho que já
vencida. A paixão também.
Entrei na faculdade aos 18, minhas primeiras doses de
tequila foram aos 20 ou 21, não me lembro direito. Duas doses. Ou três. Antes
eu bebia socialmente apenas malzebier. Hoje nem consigo sentir o cheiro desse
melado. As tequilas foram pagas por um amigo, mas não surtiram efeito. Segui
por uns anos ainda apenas na cerveja preta doce demais.
Cultivei uma barba depois de formado. Queria mudar minha
cara de universitário. Até hoje a uso e fatalmente a usarei até morrer. A barba
virou parte de mim, me sinto exposto demais sem ela – sem falar o quão ridículo
fico sem. O cabelo comprido chegou há uns três anos. Já o tive assim dos 9 aos
13, cortei para fazer eletricista de manutenção no Senai, escola que segue
moldes militares, aparentemente. Na anterior, o Sesi, também: de toda a escola,
apenas eu de moleque tinha os cabelos assim. E era obrigado a mantê-los presos,
não importasse onde estivesse. Isso foi motivo de muita briga e idas à sala da
diretoria. Algumas vezes, eu ficava no banco esperando a diretora chegar, de
tão cedo que eu começa a questionar: “por que as meninas podem deixá-los soltos
e eu sou obrigado a prendê-los?”. A resposta era sempre: “Menino, não questione
e obedeça”. Alguns anos depois encontrei a mesma diretora pela rua e ela disse
que o que fazia era pelo meu bem, para que eu aprendesse a seguir regras. Acho
que ela reveria seus métodos se me visse hoje.
Enfim: as aulas de eletricista de manutenção duraram dois
meses. Em uma aula inicial, o monitor me perguntou o motivo de estar ali.
“Gosto de tomar choque”, respondi. Mentira: sempre odiei choques. Não fiz
nenhuma amizade na sala e saia para almoçar sozinho em uma praça ali perto. Não
dava pra confiar em alguém que mantinha a camiseta por dentro da calça e a bota
sempre bem lustrada e usava óculos de proteção. Essa era a visão geral da
escola: soldados pré-moldados para executarem serviços essenciais à sociedade e
rostos cuja tal sociedade nunca veria.
Me casei aos 25 e foi quando comecei a beber mais e
melhor. Não foi influência da esposa, namorada conhecida na faculdade. Acho que isso já é o suficiente saber sobre ela. Ficou
comigo por dez anos e me conheceu menos que qualquer outra pessoa que passou
tanto tempo ao meu lado assim. Talvez se você ler outros textos meus aqui me
conhecerá melhor do que ela, garanto.
O que me fez beber foi não só a vontade de me acessar
mais amplamente: foi sair da casa dos meus pais. Acho que por respeito a eles,
não bebia lá. Minhas tatuagens, mesmo, só começaram depois que saí. Meu pai
nunca gostou e sempre colocou um peso bem foda nelas: eram coisa de bandido de
cadeia. Três meses depois que casei, fiz minha primeira. Hoje estou com nove.
Ainda... até o Natal faço a décima.
A madrugada me incentivava a beber e a conhecer o mundo
sob outra ótica. Bebia devagar, pra relaxar e me soltar de meus preceitos e
preconceitos. Sempre funcionava muito bem. Ainda funciona, mas em outros
aspectos que não achei que teria utilidade. Ter uma esposa que não lia nada do
que eu escrevia também ajudava.
Depois vieram a poesia e uma paixão de adolescente
descoberta quase uma década e meia de atraso - e transformada no grande e único
amor que realmente senti da minha vida, com todos os clichês da frase
implícitos e excetuando mãe e família, obviamente -, um divórcio, um namoro,
uma nova separação, garrafas e mais garrafas de algo que me apagasse e toda
minha defesa destruída desde então.
Agora tenho uma garrafa de uma bebida que
nem nome de bebida presta pra ter: aperitivo de malt whisky.
Tem gosto de pó. E se do pó vieste...
2 comentários:
Meu filho, cada um escolhe como quer deixar sua história neste mundo. Tem um momento que pai e mãe não tem mais nenhum controle ou influencia sobre isto. Mas tenha certeza que sua forma de ser, única, deixará muitos questionamentos e seguidores. Não se atenha aos que não o compreendem, pois estes não tem a compreensão nem de si mesmos. Vivem num mundo surreal, fantasioso e talvez por isto não conseguem enxergar suas verdades. Nossa passagem por aqui não é por acaso. Viemos para aprender e também ensinar, numa troca mútua. Nosso espírito seguirá e levaremos as experiências desta dimensão para todo o sempre.
é tão real que deu nô na garganta e na alma quando li.
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