Há sempre quem duvide das histórias de amor criadas no
cinema, na literatura, na música e nos poemas. Que tudo é idealizado demais por
quem sente, que camuflou a sua realidade para transformá-la em um local mais
confortável e menos dolorido de se viver, mas que não condiz com o que
realmente lhe acontecia. E que se fosse contada pelo outro lado da história,
seria menos fantasiosa e mais realista.
Confesso que já duvidei muito também.
Cheguei a descrer na existência de algo assim. Muita
idealização, muito floreio para contar o decadente e fadado destino das
relações amorosas. Tudo aquilo perpetuado em filmes e livros e músicas um dia
morreria. O que viveria seria apenas o registro daquele momento em que tudo era
perfeito e o sentimento existia, tenha sido por duas horas ou dois anos.
Mas hoje consigo ver sob a mesma ótica dos autores de
tais peças.
Tudo aquilo foi real para alguém, que soube traduzir o
que sentia em linhas e palavras e roteiros e artes. Alguém realmente amou outra
pessoa a ponto de lhe escrever um livro que virou elemento essencial na
história de outras pessoas. Um dia houve quem acordasse completamente envolvido
pelo amor e escreveu músicas e compôs melodias que são trilhas de cenas lindas
e memoráveis de outros casais. Haverá quem se apaixone completamente e
frequentemente pela mesma pessoa, a ponto de usá-la como inspiração para seus filmes
que alimentarão a fome daqueles que ainda não saciaram o desejo de se envolver
assim com outra pessoa.
E a grande beleza disso tudo é que provavelmente você
viverá sem isso por muito tempo em sua vida. Passará pela descrença, voltará a
acreditar e pensará ter achado a mesma fonte que foi usada para banhar aqueles
que souberam transformar o amor e a paixão em algo perpétuo. Mas verá que se
iludiu novamente a ponto de descrer ainda mais e voltar a exorcizar qualquer
vestígio disso em você.
Se não for assim, não conseguirá entender e assimilar o
efeito de algo assim em sua vida. É preciso quebrar a cara, desistir,
amaldiçoar, expurgar a vontade de querer uma relação como essa tão cantada e
tão repercutida e tão desejada e tão iludida. Não é fácil de encontrar, não a
terá nos primeiros anos de sua vida adulta. Muitos chegam ao fim dela e
desconhecem tal existência. Ou encontraram há pouco, tão pouco tempo que não
tiveram tempo de concluir se era mais uma ilusão.
Mas existe.
E Vinícius de Moraes estava certo: todo grande amor só é
bem grande se for triste. Pois só a plenitude de um amor traz toda a dor da
perda eminente mesmo que a perda esteja longe ou inexista. Uma relação que te
traga apenas felicidade e alegria e bem-estar se consumirá nas chamas da
realidade, pois perderá toda a poesia intrínseca.
Você precisa acordar com o alívio, mas terá de suportar o
despertar a angústia algumas vezes. Serão dias de certezas absolutas recheados
por horas de medos absurdos. É preciso sentir toda a beleza dos momentos
horríveis que a dor te implicará.
Somente assim, com essa balança inconstante do amor que
sentirá, é que nunca conseguirá duvidar do que sente por aquela pessoa. Terá
plena consciência do que sentirá. E com isso virá todo o peso dos dias tristes
e das dores. É o preço a ser pago.
A dúvida tenta afastar qualquer perigo já que não garante
o que se sente. É por isso que buscam a todo custo a felicidade plena: pois
sabem que não suportariam a mais tênue tristeza. Mas a certeza purifica e faz aceitar
até a dor iminente sem que isso arranhe o sentimento.
A maioria que pagou se consumiu pelo sentimento. Mas
viveram aquilo que uma minoria soube traduzir em textos e filmes e músicas e
obras e que o restante apenas sonha viver e acham que vivem. Não tiveram medo
apesar de temerem. Não definharam em sofrimento apesar de sofrerem. E viveram e
souberam viver.
Pois amar é praticar o coletivo dos sentimentos. Sem
esperar pelo recibo.
1 comentários:
No fim, a dor nos faz fortes.
Belo texto!
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