Revista com capa solta

Posted: | Por Felipe Voigt | Marcadores:

Uma em cada seis mil pessoas ultrapassa os 100 anos. Foi o que acabei de ler em uma revista antiga que tenho aqui em casa, daquelas que você pega emprestado nos consultórios da vida e sempre se esquece de devolver.

Fazendo uma conta rápida: moro em uma cidade de 300 mil habitantes, logo, estatisticamente, é possível afirmar que 50 deles chegarão ao centenário. Pode ser o que nasceu hoje ou aquele que completou 90 anos ontem. Não importa: o fato é que, caso eu chegue a essa marca, fatalmente chegarei sozinho.

Não conheço seis mil pessoas. Não conheço sequer metade destes prováveis 50 futuros anciões. Das pessoas que faço questão de estarem comigo, metade chegarão aos 100 antes de mim, caso o façam. Das que poderão chegar junto comigo, não completam os dedos de uma mão. Mas isso também não importa, pois não chegarei a tanto. Me contento em chegar na metade com um pouco de consistência hepática e renal.

E qual a razão disso em um texto? Nenhuma.

Apenas pra reforçar que tenho cada dia menos gostado de me aproximar de pessoas. Aliado ao fato de que a tendência é cada dia mais eu me recolher longe disso que tanto me incomoda, a equação acima se torna previsível se vista do meu ponto de vista.

Não tenho conseguido mais gostar de gente. Antes eu tolerava mais, me empenhava em descobrir as incoerências, as contradições, os preconceitos velados e a maneira como abafam isso por conta da eterna aparência conivente e conveniente. Mas me cansei disso também.

Parece que ao se estabelecer padrões onde todos se encaixam de alguma forma, perdi a essência da curiosidade. Não é mais chocante alguns comportamentos pois são previsíveis. E quando você os projeta da pior maneira possível, quando algo mesmo que menor acontece, você estava preparado de alguma forma para aquilo. E deixa de ter o fator surpresa, a novidade, o supetão.

Há dias em que sequer abro a boca, minha comunicação se resume aos meios virtuais. Quase não uso mais telefone para fazer chamadas, apenas para trocar mensagens com uma ou duas pessoas. Quando saio de casa, frequento os mesmos lugares e falo com as mesmas pessoas, o que me dá uma comodidade de saber o que irá me irritar e o que irá me confortar.

Além do bar do meu pai, vou apenas a outros dois bares. pois já conheço os donos e os garçons. Me conhecem, sabem do meu jeito e isso me evita desgaste por causar incômodo àqueles novos que se incomodam com meu jeito. E realmente não ando com saco para lidar com mágoa de pessoas recém-descobertas. As expectativas delas são sempre muito grandes e de alguma forma eu sempre consigo quebrá-las. Não que eu me importe, mas é sempre um desgaste desnecessário.

Quando ando pelas ruas, me sinto completamente à parte. Seja no mercado, no banco, nas ruas ou mesmo nos bares. Me olham como se eu fosse algo diferente, alguém que não deveria estar ali, que destoa do seu velho estilo arcaico de vida. Não me moldei a maioria das convenções sociais, não deixei que costumes e preconceitos ditassem meu modo de agir e pensar. E isso é uma afronta a eles. E a maneira como vivem afronta a mim também.

Ainda assim: qual a razão disso tudo em um papel?

De novo: nenhuma. Talvez devesse parar de ler revistas antigas emprestadas. Ou devesse ter ido tomar banho depois de lê-la. Estranhamente, o chuveiro sempre lava embora meus textos, coisa que deveria ter feito com esse também.

1 comentários:

  1. J. Way disse...
  2. É... E eu que pensava que era só comigo.
    "Vesti" seu texto, seja isso bom ou ruim.

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