Hoje eu também fui estuprado

Posted: | Por Felipe Voigt | Marcadores:

Crianças de 12 se prostituem. São estupradas. O caso vai para o Superior Tribunal de Justiça. E qual a decisão?

"...não se pode considerar crime o ato que não viola o bem jurídico tutelado – no caso, a liberdade sexual. Isso porque as menores a que se referia o processo julgado se prostituíam havia tempos quando do suposto crime." 

Isso mesmo: para o STJ, as meninas não foram estupradas, já que se prostituíam há tempos e isso as colocam em posições diferentes diante de um crime bárbaro como um estupro. O que era pra ser um julgamento de um estuprador, virou uma acusação às vítimas! E abriu um precedente imensamente perigoso.

“...as vítimas, à época dos fatos, lamentavelmente, já estavam longe de serem inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo.

Viram? O estuprador saiu como vítima da história, já que as crianças não eram mais ingênuas. Não, não estou inventando isso: a matéria foi publicada no site do STJ e eu recomendo que leia.

Minha indignação ultrapassou meus limites normais. Nós, que tanto lemos e lidamos com isso no Querido Ogro, deveríamos estar habituados, não é? Não... não há como se acostumar a isso. Se acostumar é se acomodar, é deixar morrer o dom e o tom da indignação, da revolta, do nojo que tal prática causa.

Ao nos acostumarmos, deixamos que o padrão se estabeleça.

Esse comportamento típico ao qual fomos banhados por décadas e que o STJ legitima agora, apenas oprime ainda mais as vítimas e as deixam desamparadas, com uma sensação de que a sociedade aceita que passem por isso e pior: não fará nada para coibir ou punir. O sentimento de culpa nelas será agravado com essa decisão. Triste demais, deplorável demais!

O que há de ser feito? Mandei a mensagem abaixo para a Ouvidoria do STJ:

"O Superior Tribunal de Justiça presta um desserviço ao inocentar um estuprador de meninas de 12 anos que se prostituíam! Senhores ministros: o que estão fazendo é desumano, pois abrem um precedente perigoso demais! Quer dizer que por se prostituírem estão dentro de parâmetro onde se aceita que sejam estupradas por isso? Então prostitutas poderão ser estupradas? Afinal, estão "longe de serem inocentes, ingênuas e desinformadas a respeito do sexo".Ou ainda: uma criança de 12 anos que já tenha feito sexo também será passível de estupro, já que deixou de ser "ingênua" sobre o assunto?  Se a criança for uma prostituta (por fatores de desamparo social e político, por exemplo), ela não será considerada vítima se alguém a estuprar... Ou mesmo: se o estuprador provar que ela já tinha uma vida sexual ativa antes dos 14, também não será estupro!As meninas se prostituíam e foram estupradas. Por que estavam ali? O STJ ao invés de punir o Estado, inocenta o estuprador! Ao invés de cobrar das autoridades por uma assistência social que não levasse as meninas a tal prática, preferem estimular outros estupros sob essa mesma alegação: elas estão ali pra isso, sabem sobre sexo e não são mais inocentes.Um precedente medonho e assustador demais, senhores ministros. Ainda mais sendo uma relatora mulher, que deveria ter uma sensibilidade maior justamente por ser mulher, mãe, avó, tia... Me sinto igualmente estuprado hoje ao saber que o magistrado do meu país é conivente com tal monstruosidade. Um passo é dado em cada lei aprovada, mas dois são dados atrás com decisões como essa."

Pode não ser efetivo? Pode... mas quem garante que não? O que não dá é pra deixar esse desserviço passar assim, sem ao menos mostrar ao nosso Supremo que não estão acima dos interesses sociais.

Mas não estamos sozinhos. a Secretaria de Direitos Humanos publicou uma nota sobre o sobre o caso:

"Com essa sentença, um homem foi inocentado da acusação de estupro de três vulneráveis, o que na prática significa impunidade para um dos crimes mais graves cometidos na sociedade brasileira. Esta decisão abre um precedente que fragiliza pais, mães e todos aqueles que lutam para cuidar de nossas crianças e adolescentes." Leia mais

E depois de ler tudo isso, o que você vai fazer? Ficar calado e achar que não tem nada a ver com isso? NÃO! Vá em suas redes sociais e demonstre também sua indignação. Dê todo apoio ao que lutam tanto contra isso. Vá à ouvidoria do STJ e também deixe sua crítica aos ministros. Leia relatos de quem passou por isso e sinta suas dores e não queira que isso aconteça com quem te cerca.

Não dá pra ver isso e ficar calado... as vítimas são sempre as crianças!

:: Link da Ouvidoria do STJ
:: Perfil da Ministra dos Direitos Humanos no Twitter
:: Carinho de Verdade: movimento contra o abuso de crianças e adolescentes
:: Pra sentir o que é estar do outro lado: depoimentos de vítimas de pedofilia
:: Vítimas de estupro também contam o que é ser estuprada e se ver como culpada


Mas por hoje eu também fui estuprado pelo STJ... e não: eu não tive culpa nisso.

3 comentários:

  1. Icaro Fernandes disse...
  2. Tive essa mesma discussão com uma estudante de direito, que defendia a decisão do 'Supremo', partindo da idéia de que muitas meninas saem por aí 'dando' e que muitas da vezes, aos pais descobrirem, diziam que foram forçadas a prática sexual, (ou seja, foram estupradas) pra não sofrer represália (castigo).. relativizar a presunção de violência, por tanto (segundo ela) seria um instrumento pra fugir desse tipo de quadro (que concordo plenamente que aconteça)... mas a prática do relativizar, qualquer coisa, é algo muito perigoso e deveria ser usado como exceção (ainda mais em casos de violencia sexual ou qualquer tipo de violencia), por vários motivos. a relativização é um ótimo instrumento pra se buscar entender, de maneira subjetiva, uma situação por vários angulos... mas a medida que se relativiza, qualquer coisa pode se tornar justificavel, especialmente em casos envolvendo estupro e pedofilia (bastaria uma análise psicológica profunda pra justificar o ato de um acusado a partir: da vida que teve/relação com família e valores obtidos/historico de abuso sofrido e etc).. além do que, o processo inverteria os papeis, no qual a vítima que passaria a ser julgada (por ter ou não já praticado algum tipo de ato sexual) o que desistimularia a denuncia de abuso e talvez até estimularia a prática sexual precoce, tanto pela criança quanto pelo adulto... lembrando que em muitos casos já é dificil se comprovar a violência física, e a violência psicológica, onde ficaria nessa história, seria ela relativa também? é claro que isso aliviaria tribunais de processos de pais que não controlam filhos/filhos que fogem de casa com adultos (e os pais como responsaveis procuram punir o adulto em vez de educar o menor) e etc, mas não é a primeira vez que o STJ dá sentença favoravel ao acusado, em caso de presunção de estupro a menor, sem no entanto, coloca-lá como relativa (simplesmente aplicando o inciso VI do art 386 do CPP "se houver circunstâncias que excluam o crime"). isso só cria um precedente perigoso, dentro de um assunto muito delicado... mas também reflete uma tendência dessa sociedade, de buscar sempre relativizar a barbarie para justifica-la... como dizia Nick Naylor "argumente certo e você nunca estará errado" infelizmente nosso Jurídico, além de levar isso muito a sério, frequentemente se esquece o limite entre justificavel/direito de se justificar e ainda tem os que me acusam de niilismo...

  3. Fidel disse...
  4. Infelizmente um retrocesso nas conquistas de leis que nos protegem. Isto com certeza abrirá um precedente a muitos advogados em defesa de seus clientes acusados de estupro. A partir de agora, qualquer mulher que tiver alguma experiência sexual não adianta dar queixa por estupro pois a lei favorecerá o bandido. APLAUSOS a esta juíza, e que Deus proteja as mulheres de sua família.

  5. Fidel disse...
  6. Juro que me deu medo! Anos e anos de luta num caminho que estamos apenas no começo de nossas conquistas, e uma rasteira dessas. Meu Deus!

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