Dessas duas árvores sobraram mudas

Posted: | Por Felipe Voigt | Marcadores:
Queria escrever mais
mas não sei mais o que
mais escrever.
Nem sei, aliás, se deveria,
não há nada novo
para o papel absorver.

Meus melhores textos
foram criados no banheiro
durante o banho.
Ainda não criaram papel
à prova d’água
e a toalha funciona
como um bálsamo amnésico.

Hoje à tarde, sentado entre árvores,
de Manuel Bandeira li
“Cartas de meu avô”.

Lembrei-me de minha avó
e de seu pé de acerola
com gosto nada amargo
plantado há três décadas
no quintal de sua casa
na Vila Camargo.

Quando moleque, me jogava
por entre seus galhos
e me sentava no telhado
com as mãos cheias
daquela fruta vermelha
de sabor adocicado.

Nunca fui de subir em árvores
mas naquele pé eu sabia
onde por o meu pé.

Enchia as mãos e a boca
com cinco ou dez de cada vez
e a cada mastigada era um suco
extraído
e nada era mais gostoso
do que aquele complicado
líquido.

E do alto daquelas telhas
nada mais eu contemplava
além da cidade ao fundo
como um papel de parede
e uma última fruta pendurada
ainda me despertando sede
no galho mais distante
perto daquela telha quebrada.

Mas hoje o quintal mudou:
foice àquele pé de acerola,
foi-se também minha avó.

2 comentários:

  1. Evelyn Paparelli disse...
  2. I'm speechless!!! Talvez por me fazer lembrar do pé de jabuticaba na casa da minha que toda vez que subiamos, levavamos bronca...o pé se foi e se foram as broncas tambem quando minha vó se foi. E ai fica um vazio...
    Mas o titulo do seu texto me fez entender que nao fica um vazio, fica sim um cheio, cheio de boas lembranças e recordaçoes e muito que aprendi com minha avó. Obrigada!!!

  3. Karola disse...
  4. quando tempo não vinha aqui...
    complexidades..
    adoro..

    bejijossssss
    adoro-te

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