O velho machismo na nova era

Estamos na segunda década de um terceiro milênio e ainda vemos o machismo sendo difundido em todas as esferas sociais: você o vê presente ao comprar um pão e ouvir o comentário de dois idiotas na fila falando sobre a atendente; no banco ao ver que alguns machões se recusam a serem geridos por uma mulher; numa roda de amigos, num bar, que tacham uma amiga de "fácil" só porque ela saiu com um deles e deu na primeira noite.

Esse tipo, apesar de tudo, é o menos nocivo.

Mas há aquele machismo clássico, onde o homem notoriamente rebaixa a mulher a um nível de submissão e de servidão. Para eles, mulheres devem apenas cuidar da casa o dia todo, sem ter acesso à informações, fazer o jantar, criar os filhos, tomar banho e deitar toda cheirosinha para que o provedor da casa venha e a foda até ele gozar e dormir realizado.

Acredite: esse tipo é o que mais se espalha atualmente. E não é privilégio daqueles mais pobres, menos estudados. Esse machismo repugnante se perpetua entre os homens de todas as idades e classes. Essa semana tivemos dois exemplos que mostram o quão atrasada ainda uma sociedade pode ser. Por mais que haja avanços, os retrocessos são sempre a maioria. E esses exemplos estão nos extremos...

Um programa como o BBB é um ótimo termômetro social. Por ser um reality show com pessoas que representam nossa sociedade, podemos ver como as atuais gerações pensam sobre determinados assuntos, por mais que exista a manipulação da direção para proporcionar o espetáculo. As discussões aqui fora sobre o que se passa lá dentro do confinamento são elucidativas... e assustadoras.

E foi nesse programa que trago o primeiro exemplo de machismo.

Uma das participantes estava de rolo com um cara lá. Ficavam, se beijavam e tal. Isso tudo por duas ou três semanas. Aí esse cara saiu. E outro entrou no lugar dele. A mocinha ficou encantada com ele, rolou atração e os flertes começaram, mutuamente. Flertes, inclusive, incentivados por outros participantes. Mas aí aquele outro que saiu voltou. E voltou puto, como se tivesse sido corneado sob as vistas do Brasil todo. Começaram a tachar a moça de "puta" (sempre usando termos politicamente corretos). E o que aconteceu? Os dois caras se uniram, de certa forma, contra aquela "vagabunda" que beijou um e depois ficou atraída por outro. Olha só que safada, não? Nossa... deveria ser apedrejada em praça pública, com link ao vivo no Jornal Nacional.

Outro participante, que praticamente capitaneou essa "revolução machista" dentro do programa, costuma se gabar de suas conquistas sexuais. Ele mesmo teve um rolo com uma outra moça, que já saiu, e logo depois tentou se engraçar com outra. Ou seja: fez EXATAMENTE o que aquela "puta" fez. Mas ninguém o recriminou por isso. Afinal, ele é homem, tem de ser provedor, tem de se perpetuar.

Isso sem contar a maneira como ele debate com aqueles seres inferiores dentro da casa... Sabe aqueles seres que são dotados de buceta? Então... esses seres. Durante qualquer discussão, ao ser questionado, inquerido ou apenas contra-argumentado, o que esse "machão" faz? Grita. Xinga. Ofende. Desmoraliza. Aponta dedo na cara. E xinga de novo. Afinal, macho nenhum deve levar desaforo de mulher. Ainda mais em rede nacional.

Tá, eu sei: não dá pra usar um programa "lixo" como esse pra exemplificar o que quero dizer. Tudo bem. Se eu falar de um magistrado, alguém com estudo e que mexe com leis serei melhor entendido? Ok, vamos lá... essa semana li a seguinte notícia:

"Em nome da Associação dos Magistrados Mineiros, o ex-presidente do Supremo Carlos Velloso entrou com ação para anular a decisão do CNJ que puniu o juiz Edilson Rodrigues. Ele foi condenado à pena de disponibilidade (quando não é aposentado compulsoriamente, mas fica afastado do tribunal recebendo os salários sem poder advogar) por ter sido preconceituoso com as mulheres em sentenças; Sobre a Lei Maria da Penha, perorou o juiz:

- A vingar esse conjunto de regras diabólicas, a família estará em perigo. Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher. Todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem. O mundo é masculino e assim deve permanecer.

Achou pouco? Então, leia mais duas pérolas do magistrado:

- O mundo é e deve continuar sendo masculino, ou de prevalência masculina, afinal. Pois se os direitos são iguais – porque são – cada um, contudo, em seu ser, pois as funções são naturalmente diferentes.

– Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei absurda, o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões.

Qual diferença desse juiz para aqueles participantes do reality show? Nenhuma, não? Mas as semelhanças entre eles... ah, quanta semelhança. Esse idiota desse juiz aplica sua interpretação sobre as leis dos homens baseado nas leis de "Deus'. É mais do que fragrante que o referido imbecil foi educado sob certos preceitos religiosos. Claro: alguém que cita Adão e Eva numa sentença é alguém muito religioso, apesar de ser ignorante pra caralho.

Mas percebeu bem o que ele quis passar? Que as funções do homem e da mulher são diferentes. E diferentes como? Oras: se o mundo é masculino, as mulheres devem fazer o que? Se submeter, claro! E meter, óbvio...E qualquer intenção ao contrário será vista como "regras diabólicas".

E de onde alguém tão religioso assim, que acredita no Éden e na lenda de Adão e Eva, tirou tais constatações? Hum... vejamos, talvez na bíblia? Talvez ele tenha sido educado sob aqueles preceitos, certo? Lógico! E de quais preceitos estamos falando? Acho que talvez seja desse principal:

''Mulheres, sede submissas aos vossos maridos, como convém no Senhor''. (Colossenses 3:18)

Há várias outras passagens assim, mas essa resume em apenas uma linha a forma como a mulher é vista há séculos. E ainda continua sendo alvo desses preceitos tão enraizados. Nosso querido imbecil juiz que o diga. Ou nossos queridos do BBB. Essa porra de religião (qualquer uma) só fode! Se não são os idiotas cuidando das leis de "Deus", são os imbecis regendo as leis dos homens.

Em ambos casos, o que houve? O próprio juiz disse: o "homem" terá de se submeter a uma lei "absurda" e agir como "tolo", como "mole". Ou seja: para ele, as mulheres não podem ter voz ativa, não podem ter direitos. O único direito reservado é o de obedecer passivamente. Quando elas se unem e se mostram independentes do homem, isso causa tilt na moral deles. Foi o que aconteceu também no reality show: a mulherada está agindo como mulheres alfa, como provedoras, como independentes... e os machistas não aceitaram! E passaram a tachá-las de qualquer termo ofensivo na concepção deles.

Confesso que me dá medo quando vejo alguém detentor de projeção social agindo assim. Serão copiados por outros idiotas, que ao verem figuras públicas agindo assim, irão encontrar respaldo para continuarem a pensar como pensam. Se não forem rechaçados, continuarão a fazer isso com suas esposas, suas filhas, suas amantes, suas colegas de trabalho. Mas isso acontecerá longe dos holofotes e virará apenas auto-afirmação perante seus semelhantes num balcão de bar.

Quando uma mulher ou um grupo de mulheres "toma" o poder e garante seu espaço, os "machos" agem como esses exemplos citados. É comportamento típico da "superioridade masculina". O machismo é mesmo um corporativismo secular nesse país... e é democrático: atinge todos os ignorantes, sejam eles diplomados ou não.