Não culpe a madrugada pelas besteiras que comete nela

Aconselharam-me a fugir.
Mas para onde, se não há
fuga para fora de mim?

Meu problema não é dormir;
é o despertar que incomoda,
é o voltar para a realidade
que tanto me faz protelar
a entrega ao sono.

Amanhã terei de dizer
“estou bem”.
Mas ninguém está
bem
às nove da manhã.

Já tive de repetir essa
porra de frase
tantas vezes
que o que era uma ilusão
virou promessa.
Me iludi achando:
se eu estiver bem
todos estarão.
E agora me cobram
que eu esteja bem
como se tivesse prometido.
Ao inferno eles!

Mas você teve sorte
de me encontrar.
Eu ainda não me encontrei
assim.

Ainda sou aquele
que usa porta-copo
como marca-página
de livros de bolso de
Bukowski,
o vadio que disse:
o amor
é como a neblina da manhã
que se dissipa com a aurora
da realidade.

O velho está meio certo
e eu estou meio errado.

Amor
é o coletivo de sentimentos.
Mas precisavam de um termo.
Um termo que pudesse ser dito
mesmo que maldito.

Ninguém foderia ninguém
se dissesse a alguém:
“Eu tenho um monte
de sentimentos por ti”.
Precisam ouvir aquela coisa.

“Eu te amo”.
“Estou bem”.
É tudo a mesma
maldição mal dita.

Quem quer amar
que alugue um
amor.
Na esquina,
na capela,
no cartório,
não importa:
não poderá pagar.
Não conseguirá.

Onde quer que alugue
terá sempre de repetir:
“Estou bem”.
“Eu te amo”.

Um finge que acredita no que fala

e o outro no que ouve.

E nenhum dos dois sabe

ao certo o que houve.