Devo estar ficando velho

Não gosto de aniversariar.
Aniversário é sempre
uma porra
injusta pra caralho.
Passa-se vinte e quatro horas
a espera de uma ligação
de alguém que certamente
não lembrará que esse dia
marca sua estreia no mundo
e que te colocou com carta
fora do baralho.

É injusto com quem liga,
com quem esquece,
com quem lembra,
com quem na espera
padece.

Cresci sabendo que no dia
em que nasci morreu Elis.
Sempre me pareceu uma injusta troca:
com ela e sem mim, o mundo poderia
ser um pouco mais feliz.

Passaria esse dia bebendo
com um amigo.
Numa mesa de bar
numa tarde chuvosa
virando cerveja e ganhando uísque.
Escrevendo poemas
em guardanapos de papel
para a loira de vestido que revela
belas pernas
belos ombros
belas costas
belo tronco.

Mas o dia começarei e terminarei
escrevendo e chorando
e me revoltando
e me lamentando.
Não por ser aniversário
mas por ser apenas um dia
como outro, que segue, pois,
andando.

Começou o primeiro dia
do último ano
dos meus vinte anos.

Grande porra essa porra.

Aniversário é um festival
de injustiças.
Mas me resta agradecer.
Aos que restaram,
aos que sobreviveram
aos que sucumbiram
e aos que ainda virão
a aparecer.

Nesta vida
cercada de regras humanas
os poucos que resistiram
são as exceções que preciso
para continuar tendo motivos
para odiar o resto dos que
sobraram.

Se ser poeta é ser fingidor,
fingirei que preciso de vocês
e vocês fingirão
que acreditam em mim.

Guardarei agora
quinze minutos
de choro incontrolável
e espero que não venham
me encher o saco.

A cada “parabéns” esquecido
será um gole descido.
A cada “felicidades” ouvido
será uma lágrima
do rosto escorrido.

Minhas rimas
acabaram,
assim
como
meu
vinho.