Nunca mais tocada novamente

O quarto já não estava
mais tão escuro
como das outras vezes.

O estrondo da porta se abrindo
já não era tão mais alto
como das outras vezes.

Aquela respiração ofegante
não seria mais tão perturbante
como das outras vezes.

E foram muitas outras
vezes.

A escuridão foi iluminada
por aquilo que segurava em suas mãos
que reluzia
tal qual uma lanterna cortante.

O estrondo se calou
ante o silêncio de sua alma
e o grito de seus olhos
enfurecidos.

E a respiração...
Deixou de perturbar
quando simplesmente
deixou de existir naquele que deveria
zelar por sua cria.

Perdeu a conta de quantas vezes
teve suas roupas
rasgadas
e sua inocência
extirpada.
Rumo à escola, sempre era:
“Como alguém como ele
pode fazer algo assim
com alguém como eu?”
Sempre era.

Não seria mais.
Não como antes.
Não novamente.

Agora havia algo em suas mãos
iluminando o filho da puta,
aquele cujo sêmen
a gerou anos antes
e que não iria mais
gerar sêmen algum.

O grito agora foi dele
e não dela.
O sangue no lençol
também.

Os anos de vergonha e culpa
auto-impostas
estavam apenas começando.
Mas naquela noite
ela voltou a sorrir
ingenuamente.

O homem mau
voltou para debaixo da cama
e apenas seu fantasma
voltará a subir
nela.

Durma agora, doce criança.
Estará tudo bem amanhã.
Mesmo que o amanhã
tarde a chegar.