O dia em que encontrei o pai da Mônica

Posted: | Por Felipe Voigt |
Em meados de 2003 eu era apenas um rapaz latino-americano de 21 anos, estudante de jornalismo, correndo com seu trabalho de conclusão do curso. O tema era histórias em quadrinhos. Na época, não tinha esse blog mas escrevia para um site chamado tiro & queda - assim mesmo, em minúsculo. E foi nesse site que publiquei o texto que reproduzo abaixo. No meu outro blog, coloco a entrevista propriamente dita.

Porra, o texto abaixo já tem sete anos. Caralho! Relendo me fez lembrar cada passo desse dia. Detalhes que os anos apagaram, de certa forma. Mas que uma releitura traz à tona novamente. Fernando Pessoa estava certo quando disse:

Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida

Escrever é esquecer, de fato. Mas ler é perpetuar.

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No dia 10 de setembro estive em São Paulo, mais precisamente na Rua do Curtume, 745, Lapa. Esse é o endereço da Maurício de Sousa Produções. Estava lá pra entrevistar o próprio.

Marcada desde o inicio do mês através de sua assessoria de imprensa (Antoniolli), nossa visita incluiria uma visita ao estúdio, para conhecermos toda a produção de suas revistas. Deveríamos ficar uma hora e meia, aproximadamente.

Chegamos um pouco mais cedo do que o previsto. Ao invés de chegarmos às 15h, estávamos lá as 13h30. Isso se deu porque fomos com uma dupla de amigas da facul, que iriam entrevistar o Milton Neves para o projeto delas.

A impressão inicial que se tem ao chegar no prédio da MSP é a de que estamos dentro do próprio gibi. Tudo muito colorido, com os personagens espalhados em paredes, sofás e revistas para visitas. O recepcionista avisou que deveríamos subir. Fomos com o elevador que tinha o Louco como ascensorista.

No quinto andar, a secretaria-executiva do Maurício nos aguardava. Disse para esperarmos alguns instantes que logo alguém viria para mostrar-nos os estúdios. Ficamos na sala de reunião dele. Um balcão repleto com produtos da Turma da Monica decorava a sala. Apesar de ser bastante criticado por suas histórias terem um cunho comercial e o fato de serem “universais” comprovar isso, Maurício nunca viu problema algum em ganhar dinheiro com isso. E, realmente, não há!

Antes de subirmos mais um andar para ver como são feitas as histórias, fui ao banheiro lavar minhas mãos. Na porta, dou de cara com o Cascão. No sexto andar, pudemos ver como as histórias nascem. Um salão comporta a equipe de desenhistas, arte-finalistas e redatores de um lado. Do outro, fica o setor de criação de marketing. Falamos com os redatores, que explicaram como são boladas as historias. Depois de colocadas no papel, em algo parecido com um story board, as paginas são enviadas para o Maurício aprovar. Apesar de desenhar apenas as páginas do Horácio, ele analisa todas as etapas de perto. Nada é passado adiante seu sua aprovação. Para isso, ele conta com a ajuda de sua esposa, Alice.

Depois de aprovado, o roteiro chega a dois desenhistas, para darem o “traço do Maurício”. São eles quem dão a forma que você vê nos quadrinhos. Após isso, a fila vai andando, passando pelas duplas de produção. Dois fatos me chamam a atenção ao conversar com a equipe: todo o processo é feito manualmente e todos trabalham com um discman plugado aos ouvidos. O que será que ouvem? Não perguntei. Falha minha.

O curioso: sabe as letras dos balões e títulos? Tudo isso é feito a mão também. Eles até possuem a fonte criada para tal no computador, mas disseram que o Maurício prefere esse toque humano na revista. Diz que o computador mecaniza muito as coisas. Outro fato: após tudo pronto, outra dupla fica encarregada apenas de colorir toda a revista. Com lápis de cor comum, desses que você usava na pré-escola. Depois de tudo isso, seguem para digitalização na Editora Globo. Antes, passam novamente pelas mãos do Maurício.

Mais um detalhe: antes de descermos com o Laerte (assessor de imprensa) para aguardar nossa entrevista, chegam Vanda e Valéria, filhas de Maurício. Vanda carrega nos braços o recém-nascido filho de Valéria, Felipe. Paparicagem total nos estúdios, claro!

Bom, às 15h estávamos esperando apenas a chegada do homem. Ficamos meia hora conversando com o Laerte, ate então conhecido apenas por e-mail. Atencioso e gente-boa, disse-nos que poderíamos nos considerar sortudos. Isso porque o Maurício costuma receber cerca de 500 pedidos de entrevistas por mês. Só nos recebeu porque gostou da proposta do projeto. Entre um assunto e outro, a Valéria passava de 10 em 10 minutos, procurando e perguntando se tínhamos visto a Vanda e o Felipe.

Bom, enfim chega ele. O homem que ajuda a alfabetizar as crianças desse Brasil. Sem falso apologismo, sou fã desse cara. Não há quem nunca tenha lido uma revista sua. Isso já esta no consciente comum do brasileiro. Aguardamos mais uns 10 minutos e fomos chamados em sua sala. Munido de filmadora e maquina fotográfica, fomos lá, captar nossa entrevista para o projeto. Esperava uma certa resistência por parte do Maurício. Sei lá, talvez por estar no posto em que está, chega uma hora que enche dar entrevistas, certo?

Errado! O primeiro contato não poderia ser mais simpático e atencioso. Nos estendeu as mãos, pediu para entrarmos e se desculpou pelo atraso. Sempre sorridente, respondeu a todas as perguntas e se abriu como se nos conhecêssemos há décadas. No meu caso, o conhecia mais do que ele. Por uma hora e meia, batemos um papo, não foi uma entrevista propriamente dita. Disse-me de sua paixão pela fotografia, sua vontade de se enveredar para a pintura, o carinho extra pelo Horácio..... Em um determinado momento, comentei sobre a dissertação de mestrado de um cara de Taubaté. Em 1990, Robson Bastos fez uma leitura filosofica-existencialista do Horácio, tendo com base Jean Paul Sartre. Mauricio pediu uma cópia. “Me manda. Pode ser a sua mesmo, depois eu devolvo.”

Ao terminar, autografou nossos livros Navegando nas Letras I e II e ficou surpreso por eu tê-los. Disse que já tinha separado um de cada para me dar. Pediu uma copia do CD assim que este estivesse pronto e nos deu alguns gibis em uma sacola. Alem de autografar especialmente para minha mãe o livro História em Quadrões. Isso porque ela havia escrito uma carta para ele, dizendo da importância de suas histórias para ela e na formação de seus filhos. Emocionado, agradeceu o carinho.

Saímos de lá com a sensação de dever cumprido e um sonho realizado. E com a certeza de que tudo o que esse homem conseguiu e construiu não foi por acaso ou em vão. A maneira como nos tratou e que nos recebeu só aumentou a admiração. Mas teve um último detalhe: ao nos
despedirmos na porta de sua sala, pensei que estivesse encerrado o que já seria perfeito. Mas não: Maurício nos acompanhou até o elevador. E o esperou fechar. Não sem antes sorrir e acenar novamente. Não tem como não admirar um homem como esse.


:: LEIA AQUI A ENTREVISTA

1 comentários:

  1. Carol Viana disse...
  2. Posso falar que li e reli emocionada e com vontade de estar no seu bolso nessa hora?????
    Puts, sem palavras...

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