Mais uma madrugada e cá estou eu, encostado no meu carro,
no mesmo posto a caminho de casa, tomando uma cerveja e olhando para o nada.
Bom, não estou exatamente aqui, encostado no meu carro, no mesmo posto a
caminho de casa, tomando uma cerveja e olhando para o nada, mas esse texto foi
pensado enquanto eu estava encostado no meu carro, no mesmo posto a caminho de
casa, tomando uma cerveja e olhando para o nada.
Logo ali à frente, após o viaduto que me leva da minha
casa até a casa da minha mãe e ao bar do meu pai, tive talvez o único momento
de poesia na minha vida nos últimos meses: uma sacola plástica branca voava no
meio da tarde, no meio do caminho, enquanto o céu se escurecia prevendo uma
chuva e o sol refletia no escuro asfalto.
Sim, uma sacola plástica de mercado. Contrastando com o
asfalto. Incólume, sobrevoando os carros que abaixo dela corriam para algum
lugar. Não durou mais do que alguns segundos, mas sua dança no ar e sua sombra
no chão me fizeram refletir sobre coisas que não sei porquê acabei refletindo.
Uma projeção de liberdade tardia, talvez? Uma necessidade de me desprender de
conceitos? Uma simples contemplação do absurdo-nada? Não sei... só sei que
desde aquele dia, pensei em escrever um poema. É, foi um momento poético para
mim e certamente você não conseguirá entender. Mas a única coisa que consegui
pensar desde então foi:
E enquanto voando ela dançava
sua sombra desenhava
labirintos pelo chão
Apenas isso. Há quase alguns meses, semanas passadas,
naquela dança de uma reles sacola plástica, o que me fez ficar repetindo comigo
mesmo foi essa estrofe. Apenas isso. Não consegui e não consigo fechar um poema
em cima disso. Tenho apenas essa coisa que me martela constantemente:
E enquanto voando ela dançava
sua sombra desenhava
labirintos pelo chão
Agora, ao ir buscar minha terceira cerveja no posto,
entrei segurando as lágrimas. Pensei que isso tivesse me dado um tempo, tivesse
me dado uma folga, talvez, até, ido embora. Mas não: apenas um preâmbulo de três
semanas entre minha última crise de ansiedade. Desde então, comecei a tomar um
remédio natural calmante para isso e estava servindo a contendo. Mas esse
blues, essa melancolia... essa dupla nunca te deixa de fato, meu caro.
Simplesmente se acorrenta ao seu âmago e fica ali, esperando uma migalha de uma
insegurança, um respaldo de desatenção, um momento mais sóbrio para
simplesmente te deixar no velho estado costumeiro de sempre.
Uma dupla de policiais me olham desconfiado. Venho ao
mesmo local no mesmo horário há anos, a atendente me conhece e sempre é
solícita para comigo, mas a dupla está ali, a me fitar enquanto os observo pela
tangente do meu olhar. Isso é normal, as pessoas me olham assim por onde quer
que eu ande: mercado, shopping, posto, rua, bar, trânsito, em qualquer lupanar.
Às vezes me incomoda, como hoje; no resto do tempo, eu gosto e provoco.
E enquanto eu volto para casa, cantarolando Seagull, do Bad Company e finalmente chorando, para
terminar esse texto que escrevi mentalmente encostado no meu carro, no mesmo
posto a caminho de casa, tomando uma cerveja e olhando para o nada, penso
apenas uma coisa:
E enquanto voando ela dançava
sua sombra desenhava
labirintos pelo chão
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