E mesmo
depois de tudo, ele ainda acordou de pau duro.
Estava
suado por causa do forte sol que batia em sua janela e ele enrolado naquele
maldito lençol, com um travesseiro entre as pernas. Ao se levantar, puto,
tropeçou no chinelo que estava no canto da cama, trombou com a porta do quarto,
xingou o tapete enrolado no corredor, ofuscou-se com a luz que berrava no box
do banheiro e sentou-se para mijar. Sabia que era inútil tentar mijar de pau
duro. Ninguém deveria tentar, aliás. Quando você abaixa o pau pra mirar no
vaso, a rigidez dele corta o fluxo da urina. Mas quando você o solta, o jato
sempre vai escapar, atingindo a parede ou até seu queixo. Mijar de pau duro
pode ser perigoso.
Enquanto a
água da descarga descia, a da torneira era aberta. Colocou as mãos embaixo, fez
uma concha e jogou no rosto. Repetiu o gesto mais três ou quatro vezes,
molhando a nuca e os cabelos longos que batiam nos ombros.
Finalmente
olhou-se no espelho: um homem de quase 30 anos, barbudo, cabeludo, tatuado,
peito peludo e corrente de aço pendurada, acordando ao meio-dia de uma terça-feira,
como fora em todas as outras feiras. Enquanto enxugava o rosto, a água escorria
pelo queixo peludo e pingava no peito pelado.
Foi até a
sala, ligou a TV, o computador, amarrou os cabelos com um elástico que
encontrou jogado na estante e foi pra cozinha. Era uma sede estranha, não de
ressaca, nem de calor... mas era uma sede foda. Abriu a geladeira e matou
metade da garrafa d’água no bico. De tão gelado, doeu atrás do olho e o ajudou
a acordar de vez. Na volta, pegou seus celulares, mas ninguém havia telefonado
ou mandado mensagem. Mesmo assim, ele continuava a mantê-los carregados e
ligados durante todo o dia e noite.
Sua vizinha
do andar de baixo ainda gritava com a filha. Era sempre a mesma ladainha.
Enchia o saco ter de ouvir uma velha mal-comida descontando toda sua frustração
na filha.
- Puta
velha filha da puta, chata do caralho... -
resmungou.
Caiu no
sofá, coçou o saco e pensou em bater uma pra ver se o dia seria melhor. Mas por
algum motivo o saco estava mais interessante. Talvez já estivesse cheio e o dia
nem tinha começado, ainda.
Do jeito
que deitou, adormeceu de novo. Acordou assustado umas duas horas depois com a
campainha estalando na cozinha. Deu a impressão de que estava sendo tocada há
algum tempo, o que deixou a pessoa que apertava o botão um pouco impaciente.
Enquanto se
dirigia até a porta, cambaleando de sono, deu tempo de ouvir ainda a velha
gritando com a filha. Virou a chave que enroscava na segunda volta, empurrou a
maçaneta pra baixo e puxou a porta. O vento a empurrou junto. Avistou a
criatura que apertava o botão da campainha: era um homem de terno azul marinho,
óculos com armações pretas, cabelos com gel e bigode fino e bem aparado. Em sua
mão direita, uma pasta preta de segunda. Na direita, um papel. Não tinha perfil
de alguém que trouxesse uma boa notícia. Aliás, ninguém vestido assim traria
notícia boa alguma.
- Boa
tarde, o senhor é o senhor Lobato Volf? – perguntou, analisando com ar de
desprezo aquele que acabara de acordar e abrir a porra da porta.
- Depende
de quem está perguntando – respondeu depois de limpar o pigarro da garganta.
Ninguém o chamava pelo nome. Nem mesmo sua mãe. Ela e os dois ou três amigos
que tinha o chamavam simplesmente por Fil. Não é um apelido que dê medo ou
respeito, mas é algo que veio da infância ou da adolescência. Não se lembrava
de quando surgiu, mas soava melhor do que Lobato. Nome de velho. Assim ficou
sendo apenas Fil. Sem “ph”, porque Phil é coisa de esnobe.
- Sou
oficial de Justiça e tenho uma intimação para o senhor Lobato e me informaram
que este é seu endereço.
- O que foi
que eu fiz dessa vez? – voltou a perguntar enquanto esfregava o rosto com uma
das mãos.
- Apenas
assine aqui, senhor... – disse com
certo ar sarcástico o do bigodinho, apoiando o papel em sua pasta e entregando
uma caneta que valia mais do que uma cerveja. Certamente aquele bigodinho não
era molhado por uma espuma de cerveja. Ou por uma buceta. Por isso o sarcasmo e
a ênfase no “senhor”.
Enquanto
assinava, Fil perguntou em igual tom:
- Posso
saber o seu nome, cavalheiro?
O engomado
analisou as tatuagens do intimado, pegou o papel assinado, dobrou em dois e o
guardou na pasta, Com a insolência digna dos imbecis, guardou também a caneta
no bolso de dentro do paletó, ajeitou a gravata e encarou aquele que segurava a
porta. Com um sorrisinho, suspirou e disse:
- Meu nome
é...
BAM! Nem
teve tempo de terminar de responder. Só deu para ouvir a porta batendo e
desmanchando o cabelo e o ego do filho da puta. Do outro lado, Fil rasgou a
intimação e pensou, com um sorriso desleixado:
- Metido do
caralho! Pode ver que tem a mãe na zona...
E a vizinha
continuava a gritar.
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