Por falar em saudade “não-sentida”...

Posted: | Por Felipe Voigt | Marcadores:

Confesso que não entendo esse estranho hábito que alguns cultivam de tentar matar a saudade que sentem. A renegam, desdenham sua existência, não permitem sua presença e se retiram de situações que a alimentam.

Não falo de qualquer saudade. Me refiro àquelas únicas, vividas e sentidas uma única vez na vida. Aquela que torna as demais apenas meras lembranças. Aquela saudade que faz você agir sem pensar, pois a verdadeira saudade não racionaliza. Onde há ponderação, onde há excesso de discernimento, não há saudade plena. Sua plenitude depende da inconseqüência, do medo, do exagero, da urgência.

Porque as piores saudades não são aquelas que duram horas e dias e depois acabam. As piores são as que te consomem longos minutos de intensa memória ao longo da vida. Seja em um supermercado revisitado, em uma rua repassada, um ambiente reconhecido, uma lembrança remexida. Ali você recorre aos beijos, aos toques, às trocas, às risadas, às incertezas e às promessas não-cumpridas pelo tempo que deixou de existir. O tempo inexiste, a intenção e a vontade não.

Mas os minutos logo se cessam pois a não permissão dessa saudade fará com que aquele que a sente recorra a distrações para fingir que ela não existe. O olhar vago se dissipa num piscar duro e num chacoalhar de cabeça, para que as lembranças voltem àquela gaveta do coração, de onde “nunca deveriam sair”. Mas saem, tem vontade própria, são independentes...

A saudade reside nos detalhes que apenas quem a sente é capaz de notar. Se tornam livres ao menor sinal de um cheiro que resgata noites intermináveis de cumplicidade. Se incendeiam - sem se queimarem - ao menor refrão de certa música ouvida durante o trajeto casa-trabalho.

Assim, a saudade se disfarça para ser aceita sem repúdio. Muitos nomes a saudade ganha para que possa existir sem medo, sem reticência. A trajam de preocupação, de culpa, de crueldade, de indiferença, de carinho, de amizade... Com isso, o “não posso sentir” se torna menos presente e o “sentir” mais permitido. Mas não menos perigoso.

Tentar matar uma saudade é o mesmo que a torná-la um sentimento imortal. Quanto mais a renega, mais ela se torna cruel e aparece onde você menos espera. E é por isso que quando você menos pode senti-la é onde ela mais vai surgir. Porque você pode mentir pra si por alguns dias, meses, anos... mas nunca conseguirá mentir para ela, pois ela te conhece. Ela é você.

O problema do “não-sentir” a saudade é que acham que, ao negá-la, ela não existirá.

Negar-se sentir essa saudade é como deixar de respirar para negar a existência do ar.
Funciona... por alguns momentos curtos, apenas. Logo o sufoco aperta e você se pega respirando novamente, outra vez. E se odiando por isso, de novo. Então o que fazer?

Apenas respire... e deixe alguém respirar também.

2 comentários:

  1. Anônimo disse...
  2. Perfeito.

  3. • Ӗwerton Ľenildo. disse...
  4. Demais. Sem palavras, parabéns.
    Estou seguindo sem dúvida.
    Eis o meu Blog: papeldeumlivro.blogspot.com
    Abração .

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