E mesmo sem condições de se levantar, ela acordou e saiu da cama. Deitou-se não para dormir, mas para aliviar a dor física que sentia, causada por mais uma pedrada emocional. Como em todas as outras vezes, haveria de buscar forças onde a escassez reinava. Mais uma vez, outra vez... Chorou 40 dias em 4 horas mal dormidas. Nem dormidas. Ressentidas.
Olhou-se no espelho e não gostou dos olhos inchados. Não gostou do cabelo desalinhado. Seu aspecto estava vazio, olhar vago, envolto por olheiras. A vida seguia, mas era como se estivesse parada num vácuo. O som estava abafado, o gosto estava estranho. Apoiou-se na pia, abriu a torneira, lavou o rosto esperando lavar a alma. Não lavou. Enxugou a face esperando limpar-se da dor. Não se limpou.
O dia a aguardava e era preciso maquiar a dor. Empunhou seu batom como uma espada e desferiu golpes na boca para que se calasse quando questionada se estava tudo bem. Pegou sua base e vestiu-a no rosto tal qual uma armadura, para que os golpes sofridos não fossem revelados. Ergueu-se do chão frio ao qual foi jogada, subindo em seus saltos altos. Camuflou o cheiro da derrota, mais uma, com borrifadas do seu melhor perfume. E saiu. Sua vontade era ficar, mas esse luxo não lhe foi permitido.
Entrou no carro, respirou fundo, olhou-se no retrovisor, segurou o soluço que traria as lágrimas de volta, botou seus óculos escuros, deu partida e saiu sem olhar para os lados. Apenas deixou-se guiar pelo cotidiano que a levava como uma brisa fria de outono. A cabeça cheia de “porquês”, o peito vazio de respostas e a boca com o amargo gosto da dúvida.
Parou no semáforo, fitando o horizonte. Mexeu no rádio mas nada tocaria hoje. Não queria ser mais tocada, não queria mais ser sentida. Apenas queria que a dor acabasse. “Puta que pariu, que dor filha da puta”, pensou, contendo ainda o choro que não cessaria nunca. Ouviu alguém batendo em seu vidro. Olhou e avistou um homem alto, com cabelos compridos, barba comprida e um olhar semelhante ao seu. Sabia como identificar alguém que nunca teve alguém que realmente o notasse. Afinal, ela olhava para uma todos os dias. Desceu o vidro e, sem falar nada, apenas suspirou. O olhar daquele homem a fez banhar-se em lágrimas mais uma vez. Não saberia explicar o motivo, apenas sentiu-se amparada pela figura masculina que ofuscava o sol que ardia lá fora.
Ele ajoelhou-se ao lado do carro, apoiando-se na porta, botou a mão em sua nuca e disse:
- É quando você se cerca de regras cunhadas em vidro que a vida vem e te taca uma exceção na vidraça, desmoronando tudo... É como se a cada decepção, você construísse um degrau. E quando estiver seguro lá no alto, alguém chega e te tira o corrimão. Você não cai: é empurrada. Não é?
Enquanto ouvia, chorou em silêncio. Aquele choro que até as lágrimas se remoem a cair. Quando fechou os olhos e segurou um soluço que a faria desabar em pranto, ele apertou seu ombro e disse, quase como em um sussurro:
- Não evite a queda. Apenas caia.
Levantou-se, mexeu no bolso da jaqueta jeans surrada e tirou algo: um papel dobrado e amassado. Pegou a mão dela e colocou o papel, fechando-a em seguida. Disse para que abrisse apenas quando o mundo não fizesse mais sentido em merecer sua estadia nele. Limpou aquele rosto molhado, apertou-lhe a nuca e virou sentido lugar nenhum. O sinal abriu, os carros buzinaram e cortaram o momento surreal.
Passou o dia com aquela cena na cabeça e com aquele papel nas mãos. Não teve coragem de abri-lo. Mesmo depois de dias, aquele papel ainda continuava fechado e amassado. Era com se, ao abri-lo, revelaria sua desistência de sua existência. De certa forma, aquele papel era sua âncora com a realidade cruel que vinha sem impondo. Decidiu se permitir ser idiota e sorrir, mesmo quando a vontade era chorar.
Outras dores vieram, outras decepções a derrubaram, outros nomes suspirou à noite, outros beijos ansiou esquecer, outros cheiros desejou nunca ter conhecido. Mas prometeu ao vento que nunca abriria aquele papel que, anos mais tarde, ainda guardava junto a ela.
E até hoje, quando a dor ainda é insuportável, ela se deita lembrando daquele homem no semáforo. Daquela imagem que a fez chorar. Daquela voz que a trouxe de volta à vida. E chorou por não poder ajudá-lo como ele a ajudou.
Apenas acendo uma vela
perto do interruptor.
Você precisa da coragem
para ir e ascender sua vida.
perto do interruptor.
Você precisa da coragem
para ir e ascender sua vida.
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"Sou a antítese de mim mesmo! Aquilo que me diferencia é o que me escraviza!"
* Editor-chefe de um jornal semanal, já fui produtor e diretor de TV, comentarista politico em rádio, balconista de boteco e o caralho que você imaginar. Só não fui michê por falta de cliente!
* Não estou filiado a nenhum partido político nem tenho pretensões de me candidatar a qualquer cargo público eletivo. Sou somente mais um jornalista metido a falar besteira sobre qualquer coisa!
* Ouço e toco blues, jogo pôquer, bilhar e não estou preocupado com o que vão pensar sobre minhas opiniões aqui escritas.
* Ou seja: FODA-SE!
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7 comentários:
Conta: o que estava escrito no tal papel. Ela pode não ter querido saber, mas eu quero.
Q lindo Felipe! Fiquei curiosa sobre o q tinha no papel, mas sei q vc nunca vai revelar... Posso roubar a frase (devidamente identificada) sobre "regras cunhadas em vidro..."? Beijos, adorei!
Abrir o papel é desistir de existir... deixar a dor passar e guardar o papel.Não é de fato o que todos fazemos? Guardar as angústias e seguir em frente... Bom te ler!
Discordo, Carol. Acho que o conteúdo do papel é justamente um antídoto pra qdo o desistir de existir batesse. E talvez a chave pra um verdadeiro recomeço e não um prosseguir apenas.E não só pra ela, mas pra ambos, talvez?
PQP de rosca... simplesmente maravilhoso este texto. Impressionante como vc conhece a alma feminina... bjos meu eterno amigo Ogro.
Pode ser uma mulher, podem ser todas, pode ser qq uma! ler a alma feminina com tanto zelo eh pra poucos.
Eu tenho meu papel em branco...
Obrigada por mais este presente em forma de texto!
O problema é que tem certas pessoas que não sabem reconhecer um papel em branco só porque ele veio em outra cor ao invés do branco esperado, aquele de praxe, sabe?
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