At last...

Posted: | Por Felipe Voigt |
Madrugada de domingo para segunda. 3h da manhã. O sono demora a chegar. A TV avisa: nada mais interessante por hoje. Apago a luz, desligo-a e vou ao quarto. Quem sabe lá encontro algo que me faça cair em profundo sono.

Sigo pelo corredor com a escuridão me acompanhando. Não é exatamente essa companhia de que preciso. Acendo a luz do quarto e vou atrás de meus cds. Preciso de uma alma feminina para me acalmar. Por hoje dispenso Anastacia, Jewel, Melissa Etheridge. Preciso de sangue experiente.

Sigo ate a sessão de blues. Chego perto de minhas divas e pego o primeiro cd. Pronto, encontrei. Apago a luz logo após ter deixado a musica no ponto. Agora, somos apenas eu, ela e a luz do rádio-relógio.

Aprendi a chama-la, após tanto tempo juntos, de Mama. Simplesmente Mama. Foi ela quem me deu a liberdade de tal ousadia. Aperto o play e ouco uma voz sensual dizendo:

"Come to me, I'll do what you choose / I want you to / Tell mama / Tell all about it / Tell mama / What you need / Tell your mama/ What you want / And I make everything all right".

Já não ouço o vento em minha janela e nem o barulho dos poucos carros na rua. Essa californiana nascida Jamesetta Hawkins me faz ficar bêbedo com sua voz. Depois de ouvi-la, nada mais se faz necessário. Talvez por isso não precise do álcool.

Após pedir para falar o que precisava, ordena para que eu vá até ela. “Come to Mama”, diz. Não há como recusar um pedido desses (se bem que nem precisava pedir, eu já estava implorando por isso).

Na faixa seguinte, a entrega já se torna impossível. Com uma voz rouca, típica de quem começou a carreira aos 15 anos, ela me convida com os seguintes dizeres: “I Justa Wanna Make Love To You”. Ela, no auge de seus 65 anos, ainda possui o vigor daquela adolescente filha de italiano com uma jovem negra, cantando nos corais da igreja batista de St. Paul.

Me sinto ainda mais indefeso diante de suas afirmações em “(You Better) Do Right”. A obrigação de não desaponta-la me segura acordado. Mas ela faz o favor de me dizer “You Can Leave Your Hat On”. Menos mal.

Seu primeiro sucesso vem logo a seguir: “Roll With Me, Henry”. Gravado em resposta à música “Work With Me, Annie”, de Hank Ballard & The Midnighters, precisou ser censurada pela sociedade puritana da década de 50. Recebeu o nome de “The Wallflower”.

O tempo, infelizmente passa. O relógio já marca 4h e ainda não veio meu sono. A história de uma garota que diz preferir ficar cega do que ver seu homem partir em "I'd Rather Go Blind" me deixa indagado com o que essa blueseira por merecimento passou em sua vida. Viciada em heroína, precisou se internar no começo da década de 70. Estava nessa há mais de dez anos.

Quando se entende o caminho que essa mulher percorreu, a música “What a Difference a Day Makes” faz mais sentido: aclamada em todo mundo, lugar garantido no Rock and Roll Hall of Fame e no Blues Hall of Fame, influência direta de cantoras como Janis Joplin, ainda em turnê e lançando discos...

Essa é Etta James, a matriarca do blues. Não se deixe enganar pelo atual corpo rechonchudo. Essa mulher é capaz de torna-lo escravo com sua voz e fazer o que bem quiser de sua alma. Conselho de quem já provou desse absinto!

Bom, já são 7h e preciso levantar. Ainda há tempo de ouvir minha amante do jazz Shirley Bassey dizer: “hey, big spender/ spend a little time with me”. Quem sabe uma outra hora, baby... e que a Mama não ouça esse convite. Só de pensar, já vem “I Got You” e “Fire” na cabeça.

(TEXTO ESCRITO PARA O FALECIDO
TIRO & QUEDA EM 2003)

1 comentários:

  1. Carol Viana disse...
  2. Só sei de uma coisa... vc faz mágica com letras, seduz com palavras e embriaga com seus textos... independente de qdo os redigiu, meu caro...
    beijos e continue a curtir a lua dessa maneira tão produtiva... faz bem.. pra vc e pra quem te lê... rs

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