Me, God and Mr. Johnson

Posted: | Por Felipe Voigt | Marcadores:
Baixei há alguns meses um cd, mas na correria, acabei deixando-o de lado. Essa semana, ao fazer uma limpeza nas pastas de mp3, vi que ainda não tinha descompactado esse álbum. Ou seja, ainda não tinha ouvido.

Qual minha surpresa ao ver que tratava-se de um excelente registro ao vivo de um dos melhores álbums de Eric Clapton. Sim, "Sessions for Robert" foi gravado durante a turnê do álbum "Me and Mr. Johnson", em que presta um tributo à maior e mais memorável lenda do blues, Robert Johnson.

O que é do
caralho nesse CD que "achei" perdido nas pastas é que as gravações foram feitas num quarto de hotel. Ou seja, o clima do blues em sua melhor concepção. Quando o "Me and Mr. Johnson" foi lançado, escrevi a resenha abaixo para o falecido Tiro e Queda. No final, você encontra os links para baixar os álbuns em questão:

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Que Eric Clapton sempre foi do blues, isso ninguém duvida: seu filho de 4 anos morreu em 1991 ao cair de um prédio (expressou sua tristeza em “Tears in Heaven”); apenas em 1998 soube que seu verdadeiro pai foi um soldado canadense (a falta de um pai o levou a compor “My Father’s Eyes”); no começo da década de 70 era viciado em álcool e heroina (gravou, anos mais tarde, “Cocaine”); sofreu quando se apaixonou pela mulher de George Harrison no final da década de 60 (o que resultou na música “Layla”); sem contar suas composições em grupos como Cream, Yardbirds, John Mayall and The Bluebreakers.

Percebe-se que ele pode até ter conhecido de perto o céu, mas acostumou-se com o inferno. E gostou disso! Tanto é que faz questão de colocar todo seu lamento e alegria em suas músicas. Algo tipicamente blueseiro, claro!


Tão blueseiro que, em três oportunidades, reverenciou totalmente o e
stilo que marcou sua vida: gravou, em 1994, o maravilhoso “From The Cradlle”, onde faz um tributo aos grandes clássicos do blues que o influenciaram; em 2000 deu carona a BB King em “Riding with the King”; e agora lava os pés de seu maior Rei, Robert Johnson, ao prestar-lhe uma justa homenagem em “Me and Mr. Johnson”. O súdito, enfim, devolve o que lhe foi emprestado.

Mas quem foi Robert Johnson? O que ele teria feito para Eric Clapton lhe dar um disco-tributo?

Robert Johnson foi o primeiro bluesman da era chamada “moderna”. Iniciada na década de 30, o blues moderno se difundiu pelas cidades com ajuda do trem. Com os negros saindo dos campos de algodão e seguindo para as cidades, o blues passou a incorporar alguns elementos da country e folk music. A Grande Depressão ajudou e contribuiu para que o blues fosse pulverizado pelo sul dos EUA.

Influenciado diretamente pelo mestre Son House e por Charlie Patton, Johnson trazia consigo toda dor e lamento que a região do Delta, em Mississipi, exalava. Ser blueseiro não é apenas sofrer e desabafar na música. Uma coisa é você sofrer por um período e depois tudo se normalizar. Outra coisa é ter como temática em sua vida todo o sofrimento dos escravos norte-americanos vindos da África, reunidos nas senzalas para amenizar o sofrimento e propagar seus desejos, anseios e desaforos. (Qualquer alusão com a capoeira não é em vão).

Voltando para Johnson, nasceu em Hazlehurst, Mississippi, em 1911. Morreu em 1938, com apenas 27 anos. Nesse curto período de vida, conseguiu agregar ao seu nome adjetivos como ‘lendário’, ‘enigmático’ e ‘percussor’.

Durante os anos da Depressão, ele caminhou por todo
o Mississipi, tocou em algumas juke joints e sumiu! Como sempre diziam que tocava muito mal, que seu instrumento não era bom, Johnson simplesmente sumiu! Dizem que o estopim para isso foi o fora que recebeu de Son House. O fato é que Johnson ressurgiu alguns anos depois, tocando o mesmo instrumento incrivelmente bem! A sonoridade obtida por ele era algo não-humano. E foi a partir daí que começou as lendas em torno dele.

Por ter desaparecido tanto tempo, diziam que havia vendido sua alma ao Diabo. O que recebeu em troca? O dom de tocar o blues. E tocar bem, tocar a alma de quem ouve, tocar o âmago de quem sente as letras.

Por sofrer de catarata, seu olhar possuía um aspecto “demoníaco”. Ao se apresentar em público, tocava quase de costas, para que outros músicos não copiassem seus acordes. Isso gerou outro boato: o de que ele era possuído pelo capeta ao tocar. Outro fato: ao acabar de se apresentar, Johnson desaparecia. Algo bem semelhante ao que os rock stars atualmente fazem, mas um enigma para a época. O que, evidentemente, acabou aumentando sua fama!

Esse fato (esconder os acordes tocados) é uma tática muito usada por músicos atuais. Eddie Van Halen, por exemplo, ao solar nos shows, o faz de costa. Sobre a forma como Johnson “sumia” após os shows, há uma possível explicação: no palco, ele se vestia completamente diferente do que estava acostumado. Usava terno, gravata, sapatos engraxados e chapéu.Após a apresentação, mudava para seu estilo simples de se vestir: camisa branca, sapatos surrados, suspensórios largos e cigarro no canto da boca. Talvez esse seja o motivo de não o encontrarem depois do show. Ou pode ser que ele sumisse mesmo?

Gravou e escreveu apenas 29 músicas, que foram eternizadas em gravações feitas em duas oportunidades: em novembro de 1936 e junho de 1937. Como todo blueseiro da época, era um puta mulherengo. Casou-se cedo, aos 18 anos. Sua mulher morreu pouco tempo depois. Casou-se novamente aos 20 anos. Mas nunca abandonou a boemia e a atração que tinha por mulheres casadas. Tanto é que esse foi o motivo mais plausível de sua morte: foi envenenado por um marido traído, que colocou o tal veneno no único amigo que o acompanhou: o uísque.

O envenenamento aconteceu em 13 de agosto de 1938. Morreu três dias depois, na casa de um amigo. Elvis Presley também morreu no mesmo dia, 16 de agosto. Só que 29 anos depois. Robert Johnson foi perseguido, preso, incompreendido e, mesmo assim, tinha momentos felizes. Como todo negro escravo norte-americano. Como todo blueseiro. Foi companheiro de nomes como Howlin´Wolf, Ike Zinnermen e Sonny Boy Williamson (que sempre o alertava para o perigo de se beber em lugares onde sua fama de mulherengo era conhecida).

Voltando ao novo álbum do Clapton, o nome “Me and Mr. Johnson” é uma alusão à música de Johnson “Me and the Devil Blues”. Nesse caso, Clapton já deixa claro quem é o “blues demoníaco”. Nem precisa dizer mais nada. São 14 faixas gravadas ao melhor estilo “boteco à meia-noite”. Gravaram ao vivo no estúdio, ninguém gravou separado de ninguém. E a musicalidade está ótima. Conduz, envolve, fala com você! Diz algo como: “nos encontramos nas encruzilhadas da vida...”.

Robert Johnson e
ra a face do Delta. Realmente viveu o que suas músicas contavam. Ao se ouvir Johnson pela primeira vez, dói. É algo seco, cru e cruel. Algo parecido com uma facada. Mas ao sair o sangue, a dor se torna companheira. E vicia! Ah, como vicia....

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Para baixar os álbuns:
19?? - Robert Jonhson - parte 1 e parte 2
1994 - “From The Cradlle”
2000 - Riding with the King - parte 1 e parte 2
2004 - Me and Mr. Johnson - parte 1 e parte 2
2004 - Sessions for Robert

2 comentários:

  1. Anônimo disse...
  2. Putz arrasou felipe!
    Cara dá uma olhada no blog do Djalma que tá linkado no Paulo Correa. Aguardo comentários.
    Beijos e saudades

  3. Anônimo disse...
  4. Mandou bem com "The God" ( rsrsr) Thank you for the post - J. Alicio Swindown UK

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