Ela fez Marv falar "filho da puta"

Posted: | Por Felipe Voigt |
Ela é escritora e mora na capital de São Paulo. Deu à luz uma menina recentemente e adora ler Edgar Allan Poe e Stephen King. Poderia ser apenas mais uma paulistana, mas Marcela Godoy tem uma importante participação no mundo dos quadrinhos: ela fez Marv falar português!

Foi ela a responsável pela tradução da reedição de Sin City no Brasil, pela Devir Livraria. Essa nova safra dos clássicos desenhos de Frank Miller começou em novembro de 2004, quando A Cidade do Pecado chegou novamente às livrarias do país. Com uma impressão melhor, formato maior e preço acessível, o prefácio dessa nova obra foi escrito por Marcela. Eu, que tinha a edição de O Assassino Amarelo lançado pela Pandora um ano antes, fiquei impressionado com o cuidado com que tiveram nessa nova safra da Devir. E é claro que dá pra notar a diferença nas traduções. A Marcela foi mais fiel ao original! Ainda bem...

Essa reedição foi responsável pela febre que voltou a esquentar os corações de qualquer quadrinheiro, principalmente pela frase escrita na contra-capa: "Uma obra sem igual, que chegará em brev às telas dos cinemas". Foi aqui que começou a grande expectativa em cima de Sin City - O Filme.

Abaixo você confere uma entrevista feita com a Marcela por e-mail.


- Como surgiu para você a tradução do Sin City - A Cidade do Pecado?

- Em 2004, publiquei um romance pela Devir e tinha alguns projetos de quadrinho em produção. O editor de quadrinhos da Devir, Leandro Luigi Del Manto, era também o editor do livro que eu publicara e conhecia todos os projetos de quadrinho com os quais eu estava envolvida. Em vista disso, começamos a conversar mais sobre HQ. Eu conhecia o trabalho do Miller, era fã dele. Meu primeiro contato com HQs havia sido por meio de trabalhos dele, Ronin e Elektra Assassina. Curiosamente, contudo, eu nunca tinha lido Sin City. Bem, ganhei o ábum de presente do Leandro, devorei o material, e à partir dali a coisa toda teve início. Eu li os outros álbuns e fiquei absolutamente apaixonada por aquele universo. Então o Leandro me falou que a Devir relançaria o trabalho e me perguntou se eu não gostaria de fazer um teste para a tradução. Ele me passou as primeiras cinco páginas pra ver se eu conseguia segurar a bronca... Foi muito legal.


- Teve algum empecilho em traduzir literalmente algumas palavras, gírias e palavrões?
- Empecilhos, não. Se o tradutor conhece bem o idioma de origem e aquele para o qual está traduzindo, dificilmente vai passar por muitos apuros. Deve-se lembrar, contudo, que nunca um texto é literalmente traduzido, já que existe uma diferença muito grande entre em língua (idioma) e linguagem (meio de comunicar idéias e/ou sentimentos). Uma tradução/adaptação envolve língua e linguagem, e isso faz toda diferença. A linguagem é um aspecto cultural da língua e, portanto, é um aspecto único. Assim, cada cultura, grupo cultural, tem sua própria linguagem. As gírias, palavrões e outras tantas expressões idiomáticas são, neste sentido, únicas também - na medida em que são expressões culturais. Por isso uma tradução nunca é literal. Há sempre a influência do tradutor sobre o texto, na medida em que este servirá de ponte entre duas culturas diferentes, e usará a sua própria cultura como referência para a tradução da cultura de outrem. Além disso, uma palavra nunca é isoladamente traduzida. Há sempre um conjunto e/ou contexto que dão sentido e significado a ela. Esse é o grande barato do trabalho: buscar este mesmo sentido e significado comprometendo o mínimo possível a linguagem empregada no texto original.


- Qual a sensação de fazer o Brasil entender um trabalho tão significativo quanto a obra de Frank Miller?
- Poxa, foi um grande privilégio, uma grata surpresa, e uma "senhora" responsabilidade! Sin City é permeada por muitos subtextos e referências. É uma série que, essencialmente, lida com a questão da solidão, um problema crônico de nossa sociedade hoje em dia. Estamos falando de um universo extremamente angustiante, preconceituoso e amargo. A felicidade é inatingível, só existe paz na morte... A mulher é constantemente apresentada/tratada como figura malígna; o homem só consegue viver relações obssessivas - sejam elas quais forem... E quantos de nós não nos identificamos com aqueles personagens sem nos darmos conta de como isso é ruim! É neste sentido que eu acho importante o trabalho do Miller com Sin City. Ele mostra claramente o quanto estamos cada vez mais vazios, egoístas e infelizes. Por isso Sin City é uma obra importante e signficativa. Por isso tive todo cuidado do mundo ao fazer o trabalho.


- Como foi a repercussão do trabalho?

- Recebi mais críticas a favor do que contra, ainda bem! Muita gente estranhou o fato de uma mulher haver traduzido um texto tão carregado como aquele, mas acho que de maneira geral o trabalho foi bem recebido.


- O que achou do filme? Gostou? E a tradução ficou dentro do esperado?
- Acho que por ser o filme uma "cópia fiel" do quadrinho, seria redundante dizer o quanto gostei (ou melhor, o quanto ADOREI!). Fiquei mais feliz ainda ao notar que os tradutores reproduziram 'balões' inteiros do álbum, na íntegra, ao traduzir o conto do Marv. Acho que tirando o fato de a legenda chamar "Old Town" de "Centro Velho" (como traduzido nos álbuns) durante o conto do Marv, e de "Cidade Velha" no resto do filme (não atentando para o fato de que se tratava do mesmo lugar...), o resto ficou legal, sim.


- Quais outros trabalhos traduziu?
- Além de "Sin City - A Cidade do Pecado", fiz "A Dama Fatal", "A Grande Matança" e o "Assassino Amarelo", todos lançados pela Devir. Fiz também "Reino dos Malditos", de Ian Edginton (roteiro) e D'Israeli (arte); "Crimes Macabros", de Steve Niles (roteiro) e Ben Templesmith (arte); e "O Traça" (ainda não lançado), todos estes publicações da Pixel Media.


- Trabalha com roteiros de HQs também?
- Sim, sim! Em 2004 publiquei meu primeiro romance pela Devir, intitulado "O Primeiro Relato da Queda de um Demônio", ilustrado por Marcelo Campos; participei do Ainda?, o fazine da Quanta Academia de Artes, e pubiquei uma revista independente intitulada "Sete Segundos de Eternidade", desenhada por Thiago Cruz. Em 2005 a Devir publicou o álbum Quebra-Queixo Technorama Volume 2, do qual participei escrevendo o roteiro da estória "Virá que eu Vi", desenhada pela Julia Bax. Tenho também um projeto independente com Sam Hart sobre o Golem de Praga, intitulado "Schem ha-Mephorash", divulgado pela primeira vez em 2005, na Bristol Comic Expo, e que deve ser lançado este ano. Atualmente estou trabalhando em dois romances, alguns roteiros, e tentando manter um blog... As coisas estão meio "atrasadas" desde minha gravidez em agosto do ano passado. Minha filhinha nasceu em abril deste ano e só agora estou retomando minha produção. A idéia é lançar (ou tentar lançar...) pelo menos um trabalho por ano... Vamos ver se dá!

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